No meio de frases destruídas,
de cortes de sentidos e de falsas
imagens do mundo organizadas
por agressão ou por delírio
não há-de ser um pacto novo,
um regresso às histórias e às
árduas gramáticas da preservação.
Depois dos efeitos da recusa
se dissermos não, a que diremos
não?
Que cânones são hoje dominantes
contra que tem de refazer-se
a triunfante inovação?
Voltar junto dos outros, voltar
ao coração, voltar à ordem
das mágoas por uma linguagem
limpa, um equilíbrio do que se diz
ao que se sente, um ímpeto
ao ritmo da língua e dizer
a catástrofe pela articulada
afirmação das palavras comuns,
o abismo pela sujeição às formas
directas do murmúrio, o terror
pela construída sintaxe sem compêndios.
Voltar ao real, a esse desencanto
que deixou de cantar, vê-lo
na figura sem espelho, na perspectiva
quase de ninguém, de um corpo
pronto a dizer até às manchas
a exacta superfície por que vai
onde se perde. Em perigo.
Joaquim Manuel Magalhães; Os dias, pequenos charcos