amor

Certa manhã Manuel Vilas levantou todo o seu dinheiro dos bancos.

Foi às contas poupança, foi às companhias de seguros,
vendeu o carro, anulou o plano de pensões,
levou tudo em numerário, um bom maço de notas quentes.

Muito bem, disse, que forte
e todos os empregados e directores queriam dissuadi-lo
mas Vilas tinha um desejo infinito de passar um bom bocado.

E depois foi ver doentes,
foi ver imigrantes, foi inclusive às prisões.

Queria ser um santo espectacular, tinha esse fito,
tinha essa grande esperança.
Queria ser Cristo, Lenine, São Paulo,
queria ir para além da ordem, da natureza e da vida.

Percorreu a cidade de Saragoça distribuindo dinheiro.
Na Conde Aranda, deu mil euros a três árabes,
que lhe beijaram os pés e as mãos e que se ajoelharam.

No bairro de Delicias, na rua Barcelona,
deu trezentos euros a uma negra africana
e ela queria abocanhar o sexo ao bom do Vilas,
mas Vilas disse «não, miúda, hoje sou um santo,
hoje sou São Vilas,
guarda-te para o teu marido, ele precisa de ti,
e eu vos abençoo; anda, miúda, vai em paz».

E Vilas desatou a rir.

Fogo, que fogo enorme,
e continuou a distribuir, a uma velha chinesa
deu seiscentos euros tudo em notas de cem,
e a velha tirou-lhe uma foto com dez milhões de megapixéis
e ampliou-a e emoldorou-a e pendurou-a
ocupando metade da sua loja com duas velas por baixo.
A um vendedor da Cais, a revista
dos pobres, deu oitocentos euros.
E o vendedor começou a chorar e ardia
como um coto de vela das catedrais antigas.

Vilas queria ser um santo, tinha esse fito.

Passou as manhãs e as tardes a estoirar o seu dinheiro.

Observou a atmosfera e estavam a abrir-se
os palácios celestiais.

Estava apaixonado pelos seus semelhantes.

Nunca se viu ninguém tão apaixonado.


Manuel Vilas, trad. Carlos Vaz Marques