algumas lições

Há gente que nos ensina tudo de uma vez em jeito de camião que desprende milagrosamente  as seguranças férreas da carga que transporta, e assim despeja tudo o que tem em plena auto-estrada amassando capots, quebrando espelhos, criando despistes e balbúrdia generalizada.

Há outros que apesar de terem essa força só lhes vamos recebendo os ensinamentos à velocidade da nossa preparação. E assim, enquanto avançamos pelos anéis do que podemos compreender à data, vamos apanhando a oferenda em jeito de vagas marítimas. Bernhard foi, para mim, um nome desta natureza.

Em primeiro lugar mostrou-me o mais evidente: que se pode escrever e pensar desse modo, em jeito de bulldozer obcecado com minudências. Em segundo lugar ensinou-me a verbalizar (sempre para dentro, claro) o que me incomodava e prendia desde sempre: laços de família; terra que nos vê crescer; sítio e pessoas que nos aniquilam, mas que são o que de mais puro vimos e a nossa última esperança de sermos compreendidos. Em terceiro lugar levou-me pela mão a essa terra de ninguém  de onde se vê o mundo numa tensa dualidade: tudo é de capital importância! (seja horrível ou o seu contrário), mas tudo desemboca nessa foz serena em que não há nada que não seja indiferente, irrelevante. Penso que este último ponto estava ligado à certeza da morte e a uma iluminação interior que Bernhard foi ganhando com os anos por se ter tornado independente de tudo desde o sanatório da juventude ao in extremis da existência.

No século onde o trampolim da imortalidade começa ganhar contornos não é o ensinamento de Bernhard que se tem de reformular, mas o modo de lá chegar. Que será, irremediavelmente, um caminho ainda mais sinuoso e agreste.