Porque nós somos apenas a casca e a folha.
A grande morte que cada um traz em si
é o fruto à volta do qual tudo gira.
É por ele que as jovens raparigas despertam
brotando como uma árvore de um alaúde;
por ele que os rapazes sonham ser homens
e os adolescentes confidenciam às mulheres
angústias que ninguém sabe acolher.
Por ele fica eterno o que os olhos viram uma vez,
mesmo que acontecido há muito tempo, -
e aquele que um dia gerou e criou fez-se mundo
em volta desse fruto: gelo e degelo,
vento que sopra e sol que alumia.
Para dentro do fruto entrou todo o calor
dos corações e o branco ardor dos cérebros -:
porém, como bandos de aves, os teus anjos
vieram e encontraram todos os frutos verdes.
Rainer Maria Rilke, O Livro da Pobreza e da Morte, trad. Ana Diogo e Rui Caeiro
(lido ontem de uma assentada, longe, longe de saber o que o dia de hoje nos reservaria)