Senhor, somos mais pobres que os mais pobres animais
que, mesmo cegos, acabam de morte própria,
porque nós não conseguimos ainda morrer.
Oh, dá-nos aquele que tenha a ciência
de fazer da vida uma ramada
onde Maio floresça mais cedo.

O que torna a morte estranha e difícil é ela não ser
a nossa morte, mas apenas aquela que por fim
nos toma, por nenhuma outra estar em nós madura.
Por isso vem a tempestade que nos despoja.

Somos no teu jardim, ao longo dos anos,
as árvores que deviam trazer a doce morte;
mas envelhecemos no tempo de colheita
e, tal qual mulheres a quem castigaste,
somos fechados, inúteis e estéreis.

Ou será que o meu orgulho não tem razão de ser:
são melhores as árvores? Somos apenas sexos,
ventres de mulheres que se deram de mais? —
Prostituímo-nos com a eternidade e depois,
quando chega o momento, damos à luz
o fruto nado-morto que é a nossa morte;
e o feto encarquilhado e aflito
cobre com as mãos as ínfimas pupilas
(como se algo horrível o assustasse),
enquanto na fronte já formada pode ler-se
o medo por tudo aquilo que não sofreu, —
e, como uma jovem com as dores do parto
e da cesariana, em nós nos fechamos.

Rainer Maria Rilke,  O Livro da Pobreza e da Morte, trad. Ana Diogo e Rui Caeiro