Numa noite que mais ninguém conhece,
feita de chuva e humidade e bruma,
num lugar cujo nome quase esquece,
tão ignorado e longe que se esfuma,
da dor vi a loucura e da paixão,
em funda trama os fins e o desejo,
o lado teatral de tudo, o vão
divino auxílio ausente às mãos que vejo
percorrerem-te, quentes, mal lavadas,
quererem segurar-te sem saberem
como um segura outro, que malhas remendadas
nas redes devem ser, pra não romperem -
ah, esta névoa, ah, esta frialdade,
estar cortado da duração, dos fios
de ligação, fé, porte, intimidade,
ah Deus - os Deuses! humidade e arrepios!
Gottfried Benn, 50 poemas, trad. Vasco Graça Moura