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Devemos, portanto, conceder a nossa subjectividade a uma tarefa inteiramente nova: a invenção, numa luta de duas frentes – contra a ruína do simbólico nas águas geladas do cálculo capitalista e contra o fascismo reactivo que imagina o restauro da velha ordem – de uma simbolização igualitária, que reinstale as diferenças fazendo prevalecer regras comuns, essas mesmas derivadas de uma total partilha dos recursos.
No que nos diz respeito a nós, gentes do Ocidente, devemos imediatamente proceder a uma revolução cultural que consista em desembaraçarmo-nos da convicção, absolutamente arcaica, segundo a qual a nossa visão das coisas é superior a todas as outras. Ela é, pelo contrário, bastante atrasada em relação ao que desejavam e previam os primeiros grandes críticos, desde o século XIX, da brutalidade des-igualitária e desprovida de sentido do capitalismo. Esses grandes antepassados verificaram igualmente que a organização política pretensamente democrática, com os seus ridículos ritos eleitorais, não era mais do que a tela ocultante de uma total vassalagem das políticas, exercida pelos interesses superiores da concorrência e da cobiça. Hoje, mais do que nunca, está à vista o triste espectáculo daquilo que nomearam, com a sua lucidez impiedosa, de «cretinismo parlamentar».
O abandono massivo dessa identidade «ocidental», em simultâneo com a rejeição absoluta dos fascismos reaccionários, constitui o tempo negativo necessário, elemento a partir do qual poderemos afirmar a potência dos novos valores igualitários. Não ser mais um fantoche da falsa contradição, instalar-se na verdadeira contradição, transformará as subjectividades para as tornar finalmente capazes de inventar a força política que substituirá a propriedade privada e a concorrência por aquilo a que Marx chamava a «livre associação».
Alain Badiou
trad. João Paupério