Trata-se pois de se ter sentado procurando o olhar
o olhar da noite que o olha. Longamente o fita -
Entretanto o vidro sobrepunha imagens das madeiras claras
dos focos eléctricos e do vaso imitado antigo, tosco e largo,
réplica exausta da porcelana mais leve
que o ar,
às luzes que campânulas negras deitam
sobre a água que escurece e obscura projecta o filme
no céu fechado e húmido, poalha de chuva, jardim aéreo
vertigem do mínimo: vestígio do fulgor
Seria este o motivo light: o interruptor:
O que irrompe e fecha é o que abre e acende.
Dizes: alguém carregou no interruptor; o tempo
interrompeu-se e a noite olha o corpo do homem
que não espera nem desespera; está.
Há quem chame a isto "uma solidão", uma palavra
contudo desnecessária.
Julgas nocturno saber de noite que isso
é o que te prende à repetição de ti em que te perdes;
quando o que quererias seria talvez dissolver-te
água do mundo
Habitando a fenda, a fracção ou a fractura do tempo
voltas ao princípio; um olhar não vale o outro;
nem simetria há. E de facto não se enfrentam.
Só se encontram lá
onde um terceiro olhar os olha.
Perguntas: quem é o mundo?
será que o mundo nos vê?
nos vê ali? Ou ninguém?
Pessanha traduziu Ou Mun para um não lugar
uma concha acústica onde vibra o mundo limiar:
a água do luar: pedra, uma espécie de primavera
ou um outono de tinta da china.
Ela então disse: estava ali um anjo -
o terceiro incluído - e não nos viu, ou -
mas eu sei que lhe tocaste
porque a tua mão atravessou a minha
e isso era a noite olhar-nos aos três.
Manuel Gusmão, Teatros do Tempo