as linhas das fronteiras

é quando os homens se dividem nas linhas das fronteiras e
erguem bandeiras indecisas
uma pátria é às vezes um lugar onde se adormece nas
noites da mudança da hora
às vezes é preciso desenhar nos mapas uma nacionalidade
um território onde seja possível dizer as
palavras antigas em voz alta sem que
cheguem do estrangeiro as
ambulâncias voláteis da respiração assistida
às vezes é preciso recomeçar
bater com as barras de néon no
discurso difuso dos orçamentos
acreditar que uma sombra repete no chão o
movimento vagaroso de uma nuvem
é quando nas fronteiras os homens se agasalham para não
desistirem com a boca tapada com fios de arame
e ainda assim avançam contra os caminhos que
parecem vir de longe em sentido contrário
se pudéssemos recomeçar um país
se pudéssemos reinventar uma linguagem
um rio seria o lugar do mundo onde mergulharíamos as mãos
e as levaríamos ao rosto
para que amanhecêssemos mais perto das
nascentes da água

José Carlos Barros, O Uso dos Venenos